Wilson Nascimento
Em pleno século 21, muitos brasileiros ainda vivem uma realidade que parece distante dos centros urbanos e da vida moderna. Embora a maioria da população tenha acesso a banheiros com descarga, ainda há famílias que utilizam privadas de madeira construídas sobre buracos no chão e até o antigo pinico, um recipiente que, após o uso, precisa ser esvaziado manualmente.
A cena pode parecer algo do passado, mas está presente em regiões rurais e periferias urbanas de todo o país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 4,6 milhões de domicílios no Brasil ainda não possuem banheiro ou sanitário. Isso representa cerca de 6% da população rural brasileira — um número que revela a face invisível da exclusão sanitária.
Em estados como o Maranhão, Pará, Piauí e Acre, a realidade é ainda mais dura. Em algumas comunidades, o acesso à água potável é intermitente, o esgoto é lançado diretamente na natureza e o banheiro é um cômodo improvisado ou sequer existe. Em muitos desses lares, o pinico é o único recurso disponível para necessidades básicas, especialmente à noite ou para crianças e idosos.
Em Santa Catarina, por exemplo, o contraste é gritante. Mesmo sendo um dos estados com melhor infraestrutura do país, mais de 10 mil pessoas vivem sem banheiro em casa, segundo levantamento do portal ND+ com base em dados do IBGE de 2023. Já no Amazonas, é comum encontrar privadas rústicas sobre fossas abertas, especialmente em comunidades ribeirinhas.
Essas condições impactam diretamente na saúde pública. Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) apontam que mais de 30 milhões de brasileiros ainda vivem sem acesso à rede de esgoto, o que contribui para o aumento de doenças como diarreia, hepatite A e verminoses — especialmente entre crianças.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que para cada R$ 1 investido em saneamento, economizam-se R$ 4 em saúde pública, reforçando que saneamento básico não é apenas uma questão de conforto, mas de dignidade e sobrevivência.
Em contraponto, nas regiões mais desenvolvidas, como parte de São Paulo, Paraná e Distrito Federal, muitas pessoas desconhecem completamente o que é um pinico ou uma privada sem descarga. É a ilustração clara de um país onde a qualidade de vida ainda é um privilégio geográfico.
Apesar de avanços nos últimos anos, os investimentos em infraestrutura sanitária seguem desiguais. Programas como o Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), relançado pelo governo federal, prometem ampliar o acesso ao saneamento até 2033, mas o desafio é imenso — e urgente.
A existência de banheiros com descarga deveria ser um direito garantido a todos, mas, no Brasil, ainda é um marcador de desigualdade social. Enquanto isso, milhões seguem utilizando práticas sanitárias improvisadas, invisíveis aos olhos das estatísticas comuns, mas escancaradas nas histórias de quem vive à margem.